Cap. 5

Relacionamento

   Parecia que foi ontem que havíamos dado nosso primeiro beijo. Mari não acreditava, ela dizia que foi o cupido de nossa relação.  E por incrível que pareça, ela e Grazi estavam certas. Ricardo e eu nos dávamos muito bem. Eu amava conversar horas e horas com ele no telefone. Depois do reforço ele sempre me levava para ver algum filme - e por mais machista que fosse sua ideologia, eu também pagava - íamos à livraria, comer alguma coisa e claro, estudávamos juntos.
   Três semanas depois ele insistiu em me levar para conhecer seus pais. Fiquei morrendo de vergonha, mas ele disse que eles eram bem bacanas. Sua casa ficava em um residencial na área nobre da cidade, porém apesar de todo o luxo, tive que concordar que seus pais eram humildes. 
   Sônia sua mãe, estava toda empolgada em me conhecer, ela disse que Ricardo não sabia falar em outra coisa. Já o senhor Luiz Alberto, brincou ao dizer que era um prazer conhecer a garota que fazia Ricardo gastar os créditos de seu telefone em um dia. Eu morria de rir com as histórias de família deles.
  Ricardo era o filho mais novo do casal, Roberto o filho mais velho, havia conseguido uma bolsa de intercâmbio em outro país e morava fora, isso já fazia três anos. E como Ricardo era o mais novo, continuava sendo o mimado da casa. Eu sempre dizia isso, e que ele também estava me aderindo a estes mimos, ele não acreditava. 
  Minha mãe foi à primeira, a saber. Depois de tudo que aconteceu, nossa relação de mãe e filha não ficou 100%, mas posso dizer que estava uns 65%. Eu estava me esforçando o máximo que podia para ter a mesma relação que tinha com Grazi, com ela. Descobri que minha mãe não era tão careta como achava que fosse. Até comecei a estudar mais em casa.
   Na verdade, foi o trato que fiz com minha mãe, assim que contei para ela sobre Ricardo. Ela não gostou muito da ideia, disse que eu era nova demais para pensar em meninos, mas não foi contra. E como eu e meu pai, ainda não havíamos voltado a nos falar, pois meus horários e os dele não se batiam. Essa foi a grande ideia dela. Fazer a vontade dos “velhos” de ficar mais em casa e eu curtir mais eles, o que eu nem sabia que podia acontecer.
  Nos jantares que mamãe fazia, consegui voltar a falar novamente com papai. Eu pedi desculpa para ele e ele me perdoou. Nossos jantares foram assim desde então. Quando consegui, me sentir realmente à vontade com eles, mamãe soltou a bomba.
  Lembro que era um feriado, Grazi e Murilo estavam em casa. Papai quase morreu engasgado com vinho que estava bebendo. Mamãe, já ia buscar a caixa de primeiros socorros, quando ele parou de repente e perguntou “Quem é o garoto?”. Fiquei toda sem graça ao fazê-lo lembrar de, quem era Ricardo.
   Houve o estagio da negação – em que ele não aceitava o fato – o estagio do vingador – em que ele decidiu me vingar (eu também não entendi) – estagio da rejeição – ele disse que iria me deserdar se eu continuasse com a ideia – estagio pai - ele dizia que eu era a garotinha dele – estagio da carência – “mas e eu como fico? Vou me sentir tão sozinho” – estagio da aceitação – mas já que é assim que você quer.
   No fim deu tudo certo. Meu pai chamou os pais deles para um jantar em casa. Eles comeram bastante, riram e no fim viraram ate amigos. Meu pai convidou o senhor Luiz Alberto para o jogo de quarta, e o resto você já deve imaginar.
  Havíamos combinado que  nunca mais iriamos curtir uma festa ilegal, foi uma das condições que meu pai deu para nosso relacionamento. Festas apenas ate as 22:00 da noite e ele iria buscar. Concordamos para evitar empasses. E que Ricardo também iria parar de beber. Ele havia me dito que tinha começado com a bebida desde os 12 anos e desde então, bebia todos os fins de semana e em casa um vinho de vez enquanto. Aquilo me preocupava, então fiz o pedido e ele aceitou. Eu sabia que era difícil para ele, porém na minha frente - pelo menos - ele parou.
  Grazi continuava me fiscalizando, tudo ela queria saber. Nem mamãe era tão preocupada como ela. Ela não queria que eu fizesse nenhuma bobagem e eu entendia. Assim que ela conheceu Ricardo, ela ficou um pouco despreocupada. Ricardo tinha uma forma de falar que todos a sua volta o admirava muito. Ele passava confiança e firmeza, ao mesmo tempo em que sorria no final de cada frase.
   No dia-dia era difícil ver Ricardo serio. Só às vezes quando eu dava alguns “foras” ou quando estávamos estudando. Ele acreditava em meu potencial mais do que qualquer outro. Ele dizia que tinha sorte de ter uma namorada tão inteligente e que iria fazer o ensino médio antes dele.
     Ele era engraçado e pra frente. Ele conhecia a todos e era muito fácil de fazer amizade. Ele era totalmente ao contrario de mim. Lembro que na primeira vez que aparecemos de mãos dadas na escola todos ficaram surpresos. Não sei se era porque eu não estava com um livro na mão ou se eles sabiam que eu estava com o cara mais incrível de toda a escola.
  
***

  Nas semanas seguintes, nosso foco principal foi a peça teatral da turma do reforço. Ângela vibrou com a ideia de uma peça no final do reforço, não eramos muito reconhecidos por nosso trabalho e seria interessante revelar o talento dos pequenos com um clássico, porém com a condição de não atrapalhar as aulas dos pequenos, todos os ensaios foram marcados para o sábado.
  Isabela passou uma sessão de filmes relacionados com o tema da peça. Ela ficou responsável pelo roteiro, figurino e cenário. Enquanto Clara, ficou responsável pelo fundo musical. Ela organizou uma mini orquestra com os alunos que já sabiam tocar algum instrumento, era algo simples, mas bem elaborado.
  Foram divido três grupos com 10 alunos cada, alguns ajudavam Isabela na organização, outro ficava com Clara na mini orquestra e resto eram os mini atores que ensaiavam com Ricardo. Eu monitorava tudo e vendo como tudo fluía bem, ficava encantada.
  Isabela criou um texto de Romeu e Julieta versão seculo XXI. Ficou uma graça.

- De novo galerinha - gritou Ricardo - Está tudo perfeito, porém Davi não fique com vergonha ao pegar na mão da Laila e George fala mais devagar, você esta muito nervoso.
- É que estou com vontade de ir no banheiro - disse o garoto gordinho, com as pernas cruzadas, inquieto.
- Então pode ir rapaz - Ricardo olhou o relógio - Tempo para descanso, daqui a 10 minutos voltamos, Ok?
- Ok, professor - todos gritaram.

  Ele olhou para trás e sorriu ao me ver encostada na porta do auditório. Andei em sua direção sorrindo, ele pôs a mão na minha cintura e me beijou. Uma criança que estava sentada próxima fez uma careta e disse "argh". A garotinha ao seu lado disse:
 - Viu é assim que a Laila vai ter que fazer com você.
Ele olhou espantado para nós e saiu correndo. Nós rimos.

- Então... O que está achando? - perguntou.
- Ah, está ficando tudo incrível, o potencial dessas crianças é impressionante.
- Eu sei, é incrível que em tão pouco tempo elas tenham conseguido gravar todas as falas. 
- Vejo que vocês tem feito um excelente trabalho no reforço. Elas conseguiram se superar em tudo em que tinham dificuldade e a forma como cada uma mostra com entusiasmo se dedicando ao máximo nesse teatro. Agora vejo que nem vão sentir minha falta, deixei instrutores que farão ainda melhor meu trabalho.
- É claro que isso é mentira. Você vai fazer muita falta aqui. Os alunos te amam e um certo instrutor charmoso também, sabe?
- Instrutor charmoso? - fiz cara de pensativa - hum... não conheço não.
- Deixa eu ver se consigo te fazer lembrar - disse com um sorriso malicioso nos lábios.

Eu rir.
Ele me beijou na minha testa e sussurrou - um instrutor lindo - beijou na bochecha - inteligente - no pescoço - e irresistível.
Tentei conter o riso.
- E nada modesto, faltou - sorri.
- Nadinha - e me beijou nos lábios.

- professor, professor - dizia o garotinho puxando a camisa de Ricardo.
Olhamos para ele. 
- Eu vou ter mesmo que beijar a Laila? - ele estava assustado, parecia com medo.
- A Vitoria esta te dizendo isso ainda? - disse Ricardo.
- Não, todo mundo - ele apontou para as outras crianças que estavam rindo.

Comecei a rir. 
- Acho melhor vocês voltarem aos ensaios - disse.
- Está bem - concordou Ricardo - você vai ficar para ver o resto do ensaio.
assenti com cabeça.
- Ok - ele se abaixou na altura do garoto - E você meu rapaz, não vai fazer nada que não queira. E isso de beijo não esta no roteiro, eles apenas estão brincado com você. 

O garoto olhou com cara de mau para o resto do grupo.
Ricardo se levantou.

- E vocês - se dirigiu ao resto - Voltem para o palco, acabou o descanso.

  Era fofo o jeito de Ricardo lidar com as crianças. A cada dia eu concluía que Ricardo era tudo que eu sempre esperei. Como a primeira vez que ele disse que me amava. Era 3:30 da manhã, quando estávamos conversando não víamos o tempo passar. Iamos nos despedir, ate que em meio um "coft coft" um te amo. Eu não havia entendido direito, ate ele dizer: "Te Amo, Tchau" e desligou. Ao mesmo tempo que foi estranho, eu rir imaginando o quanto de coragem ele acumulou para dizer aquilo. Mandei um sms dizendo "T.A.T - Também amo, tchau". Ele me mandou uma carinha sorrindo. 

Fiquei ali sentada observando ele, ate que alguém sentou do meu lado.
- Pipoca caramelada? - me ofereceu. Era Clara, devia estar chegando para o ensaio a seguir com os alunos da musica.
- Não obrigada -disse.
Ficamos olhando o palco.
- Ricardo leva mesmo jeito com eles né?
- uhum – concordei com a cabeça – ele tem um dom e as crianças amam ele.
- Dá pra se notar – disse com a boca cheia de pipoca.
Ela lambeu os dedos.
- Mas e vocês? Como esta o namoro? - perguntou.
- Ah, está bem tranquilo - sorri – e você Clara, namora?
Ela riu.
- Ah! Não, não. Eu não sirvo para isso.
- Como assim? - me intriguei.
- Você sabe, essa parada de ficar muito tempo junto. Você acaba criando laços, que com o tempo acabar se desgastando e depois para cortar, um lado sempre sai mal. Então por isso prefiro evitar.
- Mas isso é o bom do relacionamento, você namora com um pensamento mais ao futuro, aquela pode ser a pessoa que talvez venha ser seu futuro marido. E para não desgastar e só inovar. Eu acho.
Ele me olhou com cara de espanto.
- Ai Pi, você tem muito que aprender ainda mesmo né. - disse desapontada.
- Porque?
Ela suspirou e colou outra pipoca na boca.
- Você e Ricardo ainda são muito jovens para pensar em casar. menina – engoliu – e no mundo real, você vai ver que homens abominam essa palavra. Tudo que eles pensam e querem é “aquilo”. Apenas, nada mais.
- Como assim, “aquilo” - perguntei sem entender.
- Sexo Pietra. Homens só pensam e vivem, por isso – ela comeu outra pipoca – você deveria saber disso queridinha, daqui a pouco Ricardo vai amadurecer mais e também vai querer.
Eu sorri.
- É claro que não. Ricardo me respeita e me ama. Nosso relacionamento é baseado nisso.
- Então queridinha, essa parada de amor é meio que seculo passado, sabe. E isso de relacionamento era o que eu dizia na primeira vez que eu namorei. Ate eu me perder com ele e meses depois encontra ele com outra na cama.
Fiquei surpresa.
- Nossa Clara. Que situação.
- É menina. E o pior era que a garota era mais feia do que eu. Entende a humilhação? Se fosse uma mais gostosa sabe? Mais ela era horrível.
- Posso imaginar.
-Não querida – discordou – pior é que não pode. Eu quase matei ele naquele dia. Se não fosse o irmão dele me segurando, eu bem que. Ah! - ele gritou.
- Calma, Clara.
Ela estava vermelha. Provavelmente veio a cena em sua mente. Eu imagino o que ela estava sentindo, eu sei que é difícil quando colocamos nossa confiança em alguém e esse alguém nos decepciona. Mas não imaginava Ricardo sendo como aquele namorado de Clara. Eu conhecia Ricardo, o suficiente para saber que ele não faria aquilo. Sei que ela apenas disse aquilo para me orientar, ou não. Ela deve ter tido varias experiência do tipo e parado de acreditar totalmente no amor.
Eu segurei na mão dela.
- Esta tudo bem - ela disse – Então, foi ai que entendi que contos de fadas não existem, o amor não existe Pi. O que existe é a atração e o calor do momento.
Ela fitou o palco enquanto eu continuei olhando para ela.
- Clara?
- Sim – ela me olhou.
- Eu tenho uma pergunta que eu sempre tive curiosidade de te perguntar, porém só agora eu criei coragem.
- Diga menina. Eu sou um livro aberto.
- Naquele dia da Have. Você e aquele segurança....
Não terminei. Achei que ela já havia entendido.
- Ah sim! - lembrou-se – Era o Fred. A gente já ficou algumas vezes, por isso as intimidades. Na maioria dos eventos ele estar, assim fica tranquilo para gente entrar.
- E ele não cobra nada para você? - estava com medo da resposta.
- Ah! Naquela festa mesmo, ele me viu saindo com o carinha e deu piti nele. Eles começaram a discutir, foi muito ridículo a cena. Dai no domingo ele veio me ligando, falando que queria me ver. Como ele havia liberado a gente, eu fui na casa dele e a gente ficou. Mas no geral, não dou moral para esses caras não, eles são muito chicletes.
Eu estava perplexa. Não tinha palavras para argumentar. O cara tinha o triplo da idade dela e ela agia na maior naturalidade.
- Como você consegue?
- O que? - ela me olhou e leu na minha feição o que eu queria dizer – Ah! Entendi. É como disse Pi, não passa de sexo. É uma coisa normal, natural e devemos explorar isso já que temos. E nada melhor quando ganhamos algo em troca, como dizem é tudo negocio.


   Fiquei imaginando aquele ditado "quem ver cara não ver coração mesmo" ou  melhor, não vê o que tem no coração. Clara era uma menina linda, tinha um potencial incrível. Mas seu pensamento, era totalmente contrario do meu. Eu tinha uma mente muito mais velha mesmo, porque por mais que para os dias atuais isso fosse normal. Aquilo nunca seria normal para mim. Clara era nova e tinha tudo pela frente, porém ela também tinha um passado. Um passado que a levou ate aquele estado. Um passado que eu não conhecia. Relacionamentos frustantes, laços quebrados e desgastados. Coração partido e escondido atras de um sorriso. Aprendi naquele momento o quanto era serio um relacionamento, o quanto era serio ser ferido por alguém que tanto amamos. 

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