Bolsa de Estudo
Já dá pra imaginar o grande impacto que aconteceu quando o vi na rodoviária. Os pais dele haviam me mandado uma mensagem dizendo de sua chegada. Eles quase me intimaram a ir, mas tudo bem. Fiquei aguardando no estacionamento sem saber o que fazer quando o visse. Assim que o vi fui em sua direção de cabeça baixa. Me aproximei dele e o encarei.
- Oi – ele disse.
- Oi – Sorri sem jeito.
Ficamos em silencio.
- Como foi de viajem – ainda sem jeito apontei para o local de embarque
- Ah! .. - Ele olhou – Foi bem, obrigado.
- Que bom!
- É sim – sorriu.
Não tínhamos muito o que falar. Ele começou a ficar inquieto e andou ate mim e ficou na minha frente. ele colocou suas mãos em meu pescoço e encostou sua testa na minha.
- Me perdoa. - disse sincero – eu quase enlouqueci quando pensei que você não tivesse vindo, só de pensar que você estaria ainda com raiva de mim, me fez sentir um fracasso.
- Ei – disse me afastando – nunca mais diga isso tá? Nunca mais diga que você é um fracasso – Sorri – Eu não namoro um fracassado.
- Não, não namora. - sorriu.
Ele me deu um abraço de urso.
- Eu estava com muita saudade de você – ele disse.
- Tá amor. Não precisa me estrangular por isso. - disse sem folego.
Ele riu. Me soltou e me deu um beijo.
- Saudade disso também.
E me beijou novamente.
Seu pai já havia pegado sua mala e colocado no carro. Entramos e fomos em direção a casa dele.
- O que fez durante o verão? - perguntou me observado - Você esta diferente!
- Peguei um sol com a Mari.
- Percebi – sorriu – e pelo jeito a Mari te forçou a isso né?
Assenti com a cabeça. Ele riu.
- E as novidades são que Mari e Clara estão saindo juntas. - disse.
- Isso não me cheira bem...
- Serio amor, elas foram ate na festa do Felipe, irmão do Cadu, que já faz faculdade. O cara leva e vende as “marolas”na faculdade dele. Traduzindo, estava tudo liberado lá. Estou preocupada com essas duas.
- Elas sabem se virar, Pi.
- Eu sei, mas sou amiga delas. E a Isabela, tadinha ficou comigo o verão todo, levou os DVD's e ficamos assistindo filme ate gravar todas as falas.
Ele riu.
- mas e você? Como foi la na casa do seu amigo? - perguntei.
- Foi legal. A gente curtiu muito juntos.
- Matou a saudade?
- Sim, nos divertimos bastante. A virada lá foi muito top. Teve uma festa no centro da cidade e até alguns fogos.
- Legal – concordei.
- Foi sim.
Ficamos em silêncio, alguns instantes. Eu não queria perguntar mas aquilo estava engasgado na minha garganta.
- Eu queria..
- Eu queria...
Falamos juntos.
- Não pode falar primeiro – disse.
- Primeiro as damas.
Sorri.
- Eu estou curiosa. Eu sei que não é da minha conta, mas uma hora eu vou saber né? Quem é esse seu amigo?
- Ah! Me desculpe Pi – sua feição parecia que havia se lembrado de algo – eu não te falei né?
Movi minha cabeça negativamente.
- É o Lucas lembra? Que estudou com a gente?
- Lucas? - lembrei quem era o idiota que ate hoje conseguia ser um idiota e atrai todos para perto dele. Ate o meu Ricardo. - Mas ele não mora no interior? Você ainda tem contato com ele?
- Sim, porém ele sempre foi meu melhor amigo desde a primeira serie. Não iria abandona-lo no momento mais difícil da vida dele. No enterro de seus avós prometi que eramos irmandade e irmandade não se esquece, nem se separa. Prometi a ele que todo fim de ano, eu passaria com ele.
- Todo fim de ano? Todas férias de verão?
Ele ficou calado sem jeito.
- Então quer dizer que nunca vamos passar um natal ou uma virada de ano juntos?
- Pietra eu...
- E você também iria omitir isso de mim? Ate quando? Ate chegar ano que vem e em cima da hora você me mandar uma mensagem dizendo “ô revoá”?
- Eu iria te falar...
- Ah é, quando? - estava irritada com aquilo já.
- Agora. Eu iria te falar agora – disse tentando se explicar.
Olhei para ele e depois me afastei. Encostei minha cabeça na janela do carro.
Ele segurou minha mão.
- Pi – disse – Olha pra mim. Me desculpe, mas eu fiz essa promessa.
- Mas já se passou muito tempo, Ricardo. - olhei para ele – ele não se recuperou ainda? Ou vai querer sua presença lá ate você ficar velhinho?
Reparei que os pais dele estavam nos olhando. Tentava disfarçar, mas minha voz exaltada não deixava.
- Pietra a situação não é essa...
- Não espera, esse cara é gay né? Não, porque pra ele preferir sua companhia a de uma garota em uma virada de ano. Só ele sendo muito gay e você também, pode me contar se quiser. É bom que você tem presença de seus pais aqui, assim eles saberão que daqui a alguns anos você vai se mudar para lá para morar com ele. Uau, promessa concluída com sucesso.
- Pietra cala a boca – gritou.
Seu pai freio o carro bruscamente. Ficamos todos em silêncio. O sr Luiz olhou para nos e voltou a dirigir.
Olhei serio para a feição de Ricardo. Nunca o vi tão nervoso.
- Nunca mais fale do Lucas assim tá certo? Você não conhece ele, nunca conheceu. - ele passava o mão no cabelo. Desviou o olhar para janela e voltou para mim. - Quando começou a ser tão egoísta?
Eu fiquei sem palavras. No lugar da raiva vinha o ressentimento de ter dito aquilo.
- Eu te admirava por ser a garota que pensava mais nos outros do que em você mesma, mas no que você virou?
- Eu... - não conseguia palavras.
- Você não é a garota que eu pedi em namoro. Quando ela voltar me avise, ela vai compreender o valor de uma amizade.
- Ricardo eu – cala boca orgulho – sinto muito. Eu não sei o que deu em mim. Me perdoe, eu entendo você. Só fiquei chateada por mais uma vez o Lucas conseguir a atenção de todos que eu amo.
Ele olhou para mim.
- Ele não conseguiu a minha atenção, eu vou passar o resto do ano com você. É apenas as férias de verão e a gente vai manter contato. Vamos ficar livre um do outro por um tempo, você vai poder curtir suas amigas. Sabe?
- Sei... - sussurrei cabisbaixa.
- Ei – ele levantou meu rosto – não fica triste. Eu nunca vou abandonar você, eu te amo.
- Oun – disse a mãe dele.
Reparamos que eles estavam vendo toda aquela situação.
- Eu confio em você – sorri e me abracei a ele – eu também te amo.Reparamos que eles estavam vendo toda aquela situação.
***
E foi assim que aconteceu durante os 2 anos seguintes. Chegava a época de férias ele ia para o interior, para tal casa do amigo Lucas e eu ficava curtindo a liberdade, como dizia a Mari.
O primeiro ano foi o mais difícil. Eu não conhecia ninguém na escola, era tudo muito novo. A gente quase não se falava, apenas por mensagem. Como de manhã estudávamos e a tarde ele tinha o reforço, nos víamos apenas a noite. A tarde aproveitei para estudar na biblioteca da cidade. Isso aconteceu o resto do ano.
Foi lá que conheci a Bianca, ela estudava também lá. Começamos a conversar quando ela sem querer deixou um livro da terceira prateleira cair na minha cabeça. Desde então viramos amigas. Ela tinha o mesmo pensamento que o meu e estudava na minha escola. Era uma combinação perfeita. La conheci também o Alex, o estagiário da biblioteca e a dona Leonor a bibliotecária. Ela era tipo uma super vovó para mim. Sempre me recebia com um abraço, com o passar dos anos começou a indicar artigos de processos seletivos. Ela sabia que eu iria tentar uma faculdade e foi minha mão direita, naquele processo.
Em casa, Grazi ainda nos visitava. Na verdade todo domingo ela estava lá. Meu relacionamento com meus pais estavam indo bem, cada dia evoluindo em velocidade media. Ta bem, confesso que estava bem de mais, eu passava mais tempo em casa. Era isso que eles sempre queriam e conseguiram. Paty, continuava mexendo nas minhas coisas, o que parecia um doce para ela.
A escola era normal. Como disse pessoas diferentes, se uniam e formavam grupos. Tinha os emos, os funkeiros “vida loka”, as garotas dos funkeiros “vida loka”, os rockeiros, os tímidos, a galera da bagunça, os que só iam para comer, os invisíveis, os fãs de animes, os Play Boys, as patricinhas, os nerds, os burros, os galera do futebol, os galera do basquete, as anorexas e etc. Era muito grupinho e por incrível que pareça fiquei no grupo da biblioteca. Ou seja, aqueles que passam o intervalo, a aula vaga, e todas festas comemorativas idiotas na biblioteca da escola. Eu sei, eu ainda me achava antissocial, sem Ricardo eu continuava a velha Pietra.
Ricardo por sua vez no segundo ano me forçou a entrar na academia com ele. Ele dizia que os meninos da sua sala, malhavam e ele também queria, porém com a minha companhia. Fui comprada por uma cesta de chocolates a entrar. Foi a ultima vez que comi os marrons gostosos. Meu instrutor disse que era para mim ter uma alimentação mais saudável. Minha mãe adorou a ideia e a aderiu para todos da casa. Papai quase me deserdou por isso.
No atual ano, eu cessei um pouco a academia, comecei a malhar apenas aos sábados, enquanto investia mais nos estudos. Último ano era mais complicado. Foco no futuro. Ricardo para me apoiar, sempre passava na biblioteca antes de ir para academia.
Seu corpo era mais saudável e os músculos definidos. Ele não ficou aquele “monstros” da academia. Ruan um amigo dele era assim, quando vinha me abraçar eu sumia, disse para Ricardo que não o queria daquele jeito. Ele ria.
Eu já não via diferença em mim, a não ser minhas banhas que não balançavam mais e uns quilinhos que perdi. Bom eu estava com 17 anos e pela biologia, meu corpo tinha muito que esticar ainda. Eu não queria parecer aquelas garotas com tudo falso – cabelo falso, peito falso, corpo falso – eu gostava de mim, normal.
Foi em uma Terça-feira de sol. Ricardo me buscou logo cedo para irmos juntos para a escola. Eu tinha prova de química na primeira aula, e o fato era, eu simplesmente era péssima em exatas. Eu era péssima em gravar formulas e péssima em contas. No dia anterior eu fiquei a tarde toda estudando. Fiz ate um gravador de voz, comigo falando para ver se enquanto dormia aquelas palavras entravam na minha cabeça. Mas acho que não deu muito certo.
Queria poder estudar em uma daquelas escolas que a gente vê nos filmes em que o aluno escolhe a matéria que ele quer estudar. Mas fazer o que? Como diz meu pai, eu tive que arriscar. No fim acho que eu não fui tão ruim assim, pelo menos eu achava. Fiz a prova com uma menina da minha sala chamada Elizabeth. Ela era fera naquilo, não que eu me aproveitei da situação, era uma questão de troca. Eu a ajudava em português, filosofia e sociologia e ela me ajudava em matemática, física e química. Troca justa.
As ultimas aulas eram minhas preferidas. Elas me davam força para continuar ali. Ivone minha professora de língua portuguesa era um amor de pessoa. Não entendia como as pessoas não conseguiam entender, como as pessoas não ouviam a linda musica que saia de sua boca quando ela ensinava gramatica.
Bip Bip
Acordei da minha profunda concentração. Era meu celular, alguma mensagem para mim.
“ Pietra,
A biblioteca central acaba de confirmar sua participação no concurso literário que ocorrerá nos dias 20 e 21 de dezembro. Lembramos que todos participantes devem enviar seus textos ate o dia do 21 deste mês. O prêmio para os ganhadores do segundo e terceiro lugar será um par de ingressos para uma peça no teatro municipal e o primeiríssimo lugar ganha uma incrível bolsa de estudos no exterior .
Desejamos uma boa sorte.
Att,
A Diretoria.”
Mas eu nem me inscrevi neste concurso – pensei – deve ter ocorrido algum engano. Mais tarde eu passo na biblioteca para ver o que houve.
Não consegui mais prestar atenção na professora e fiquei imaginando como meu nome foi parar na lista de inscritos. Será que dona Leonor tinha feito isso? Mas ela sabia que eu não havia me interessado. Aquele concurso era para pessoas mais experientes do que eu. Não consegui tirar aquilo da cabeça.
Assim que deu sinal, sai da escola as pressas. Nem esperei Ricardo, fui direto para a biblioteca. Avisei minha mãe com um torpedo e disse que não iria almoçar em casa.
Ao chegar na biblioteca, fui direto ao balcão onde dona Leonor ficava, mas ela não estava. Tentei avistar mais alguém e nada. Subi as escadas até o segundo andar, onde ficavam o acervo. Era o andar todo só com livros e em cada repartição um tema diferente. Talvez dona Leonor tivesse ali, repondo os livros. Comecei andar entre eles para ver se a encontrava. Ate ouvir um som. Era como se alguém mastigasse chiclete ou sei lá. Fui em direção ao som, mesmo sabendo que não era dona Leonor, essa pessoa poderia me da alguma informação.
Ao virar uma estante me deparei com Bianca e Alex no maior amasso. Fiquei toda quadrada, sem saber onde enfiar minha cara e sem querer soltei um.
- Ai meu Deus.
Eles me olharam na hora e se desgrudaram, tadinhos. Estavam quase ficando roxos de vergonha. Eu não queria estragar o momento deles eu juro, fiquei toda desconcertada.
- Meu Deus Pietra – disse a menina limpando a boca – o que você esta fazendo aqui nesse horário?
- Eu... eu... - gaguejei.
- Eu só estava mostrando um livro interessante para ela – disse o garoto.
- Na sessão de astronomia? - disse desconfiada. Eles achavam mesmo que eu iria acreditar.
- É... - disse ela olhando para ele sem entender – eu estou me interessando por essa área agora. Estrelas, cometas, planetas... sabe?
- Não, não sei – disse.
- Se quiser eu posso te mostrar qualquer hora – ela olhou para o Alex – ou melhor o Alex vai te mostrar ele, entende muito sobre isso.
- Não, obrigada – rir – vocês viram a dona Leonor por ai?
- Ela esta em horário de almoço – disse Alex e olhou o relógio – deve voltar daqui uns 10 minutos. Pode esperar lá embaixo, ou aqui – gaguejou – se quiser.
- Ata – pensei em não atrapalhar mais – eu vou esperar la embaixo.
- ok – confirmou ele.
Me virei, mas pude ver Bianca dando um beliscão em Alex e dizer
- Astronomia? Que ideia brilhante – disse seria.
- Ai - gemeu o garoto.
Eu rir.
Não demorou muito para ela chegar. Assim que me viu, abriu um largo sorriso e os braços para me abraçar. Levantei e a abracei.
- Estou tão feliz por você. Sei que vai ser a vencedora desse ano. Você tem lido tanto, se dado tanto para este projeto. Este ano ele é seu.
- Mas dona Leonor eu não me inscrevi esse ano. Desde que perdi ano retrasado eu desistir desse concurso.
- Ficou entre as cinco, mostrando que seu potencial ia muito além. Nunca na história do concurso uma caloura conseguiu ficar entre as cinco finalistas. Esse ano ele é seu.
- Dona Leonor, ano passado foi a mesma coisa... - tentei convence-la
- Mas ano passado você não se inscreveu. - me interrompeu - Esse ano eu te inscrevi.
- Eu sabia – suspirei - mas como você conseguiu um texto meu para o cadastro?
- No histórico da biblioteca – disse sorrindo e apontou para o Alex que descia a escada – o estagiário me ajudou.
Olhei para ele seria.
- Você ajudou ela? - disse inconformada.
- Ela me forçou – disse em defesa – caso contrario teria que ficar na sala das crianças no fim de semana.
- Estagiário não trabalha nos fins de semana, sonso – disse Bianca dando um cutucão no garoto.
- aé – lembrou – Droga!
Que situação, pensei. Respirei fundo.
- Tá mais e agora. Vocês vão me ajudar a formatar esse texto – apontei para cada um – vocês me colocaram nessa, agora se virem.
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