Cap. 13

Cidade

  Buracos, lata-velha, cabeça e vidro. Quatro palavras que definem muito bem minha ida ate a cidade. Na escala de depressão, consegui chegar á ira em poucos minutos.
Chegando na cidade via que tudo havia mudado bastante, haviam mais lojas, reformaram a pracinha da cidade e devo admitir que estava mais bonita. Vovó me mostrava tudo empolgada, disse ate que havia chegado um circo na cidade e que a qualquer hora ela iria me levar. Nisso me perguntei se ela havia notado realmente que eu havia crescido, porque primeiro: eu odiava palhaços e segundo: eu não tinha mais idade para frequentar esses lugares.
- Que bobeira menina, eu e seu avô sempre fomos, ate pouco antes dele morrer. É um local de harmonia, alegria... e muito romântico. Acredita que foi em um circo que tivemos nosso primeiro encontro. Mamãe demorou 3 meses para me deixar sair com ele, mesmo com a companhia de minha tia que torcia muito por nosso relacionamento...
- Vovó, desculpe me interromper, ma não estou com muito clima para falar de relacionamento.
- Oh! Minha linda, me desculpe. Onde que eu estava com a cabeça...
- Tudo bem vovó, sei que não foi sua intenção.
Ela me abraçou.
- Mas vai ficar tudo bem, você vai ver – ela me reparou uns instantes – mas você esta muito magrinha... vem, vamos comer um pastel e um caldo de cana.
- O melhor de todos os lugares, não tem como esquecer.
Sorri.

O local era uma cabana feita de madeira envernizada. Seu teto era feito de palha, quando era criança meu pai me dizia que trouxeram a casa da praia em um helicóptero pelo céu. Eu ficava imaginando como teria sido legal ver aquilo, ou estar dentro dela naquele momento. Ao sentar na bancada. O garçom me olhou e fez uma expressão de surpresa.
- Minha nossa senhora, essa é aquela garotinha Maria?
- É sim, compadre. Ta vendo como ela cresceu? - respondeu vovó toda orgulhosa.
- To vendo – ele me ofereceu um copo vazio – então moça bonita, o que vai querer?
- Caldo de cana com limão e pastel de queijo – sorri.
- Ta na mão – olhou para trás – Lano meu filho, manda um caldo.
- Já vai, senhor Silva! - gritou um moço na parte de trás.

Demorou alguns minutos, para chegar as coisas. O garoto que trouxe usava um óculos preto. Mas o fato era que seu rosto era familiar, não sei, mas eu tinha certeza que conhecia ele. Talvez a gente brincasse juntos quando criança, sei lá.
- Ei Lano, como vai a família? - perguntou vovó, gentil.
- Vai muito bem dona Maria, minha tia pediu para agradecer os pães caseiros que a senhora me deu. Estava muito bom. Não sabemos como agradecer...
- Nada, foi um presente e sua tia já me ajudou muito também, aquilo foi apenas uma lembrancinha.
- Obrigado, dona Maria. De verdade.
- E você também é um ótimo menino. - os olhos da minha vó brilhavam, olhando para o garoto que aparentava ter um pouco mais da minha idade.
Ele ficou vermelho.
- É... obrigado.
Ela meio que saiu do transe e virou para mim como se tivesse lembrado que eu também estava ali.
- Nossa, me desculpe – disse vovó – que cabeça a minha. Pietra esse é o Lano, Lano essa é minha neta Pietra.
- Prazer - Estendi a mão em cumprimento e sorri.
Ele olhou em minha direção, sorriu porém não correspondeu ao aperto de mão e disse:
- Muito prazer, Pietra.

  As horas passaram rapidamente, todos da cidade me conheciam ou pelo menos, vovó fazia de tudo para que isso acontecesse. Ate que o garoto de logo cedo chegou correndo, dizendo que era para vovó ir ate a oficina, porque a peça havia chegado e ela teria que resolver uma situação. Resolvi continuar ali. Oficina me fazia lembrar de Ricardo e daquela maldita moto e como minha conversa com o senhor Silva estava tranquila, ajudou muito em não querer sair dali. Assim que vovó saiu, o garoto da oficina ficou me encarando e sentou do meu lado no balcão.

- É senhor Silva, estou vendo que conheceu a garota nova na cidade – disse o rapaz ainda me encarando.
- Ela não é nova na cidade Matheus, ela apenas ficou um tempo distante daqui – disse o senhor Silva e logo após virou para mim e sorriu.
- Eu imagino, porque... - ele deu uma piscadela pra mim – mas não vou muito entrar neste assunto, porque é segredo.
Assenti com a cabeça e sorri.
Matheus tinha uma voz caipira muito fofa, que definia bem a região que me encontrava. Tudo era muito diferente e isso em fazia sentir bem.
- Se é segredo não irei força-lo a dizer nada, apenas não se meta em encrenca.
- Tudo bem senhor silva. - ele assentiu – por favor me vê um sanduíche, com um extra de bacon.
- É pra já – ele andou ate o vidro acoplado a parede que ficava atras do balcão, lá provavelmente era a cozinha – Lano manda um sanduíche, com um extra de bacon.
- Tudo bem, senhor Silva – respondeu Lano, lá de dentro.
Ficamos em silêncio bastante tempo. Me sentia incomodada com Matheus me encarando, então comecei a mexer no celular que por azar a bateria estava quase acabando. Já estava ficando estressada de tanto esperar. Ate que o celular do senhor Silva toca e ele tira o avental, vai ate a janela e diz para Lano que teria que dá uma saída e que voltaria dentro de uma hora e que era para ele assim que acabar tomar conta do balcão.
Não demorou muito para Lano aparecer e entregar para Matheus seu sanduíche.
- Então Lano... já conheceu a garota nova na cidade? - disse Matheus tentando enfiar o sanduíche na boca e dá a primeira mordida.
Ele sorriu.
- Já sim...
- Sabia que já somos parceiros?
Olhei assustada para cara dele.
- Parceiros? - indaguei.
- É hora, parceiro tipo naqueles filmes de policial... - ele me olhou assustando, como se tivesse lembrado de algo – ai merda! Esquece o que disse Lano, isso é tudo mentira eu nem conheço essa ai não.
Ele se levantou e foi em direção a porta.
- Depois a gente se fala, acho que o Denis deve esta precisando de mim lá na oficina.
Lano riu.
- Até mais Matheus... - gritou.

Olhei para o rosto de Lano que continuava com os óculos escuros. Seu cabelo preto caia sobre a testa e eu ficava imaginando de onde aquele rosto era familiar.
- Então você é mesmo da cidade grande Pietra? - perguntou.
- Ah! Sim, sou sim – disse saindo do transe – e você nasceu aqui também?
- Não, não. Eu morei na cidade grande ate meus 14 anos.
- Então você conhece lá?
- Sim, mas deve ter mudado bastante.
- De 5 anos pra cá... bom não mudou muita coisa.
- Imagino...
- Mas você não tem vontade de voltar a morar lá?
- Não, eu gosto daqui... bastante... O povo daqui é muito amigo e unido, não troco aqui pelo agito da cidade.
- Entendo... mas acho que não conseguiria viver longe de tudo...
- Eu também pensava assim, mas quando você descobre esse lugar, o difícil é ver outro lugar com os mesmos olhos...
- E você consegue ver com esses óculos escuros no seu rosto...
Ele riu.
- Mais do que muita gente consegue enxergar.- suspirou.

 Ficamos conversado durante horas, nem vimos a hora passar. Ele era muito interessante e quando disse que curtia livros, ficamos ali ate o anoitecer debatendo opiniões sobre certos temas. Até o senhor Silva chegou e vovó nada. Pensei em pedir informações para ir ate onde ela estava, mas naquele horário e sem conhecer nada ali, resolvi não arriscar.
Continuei aguardar. Já havia ficado muito tarde e a lanchonete já estava quase fechando, quando o telefone tocou e o senhor Silva disse que era para mim.

- Olá, Pietra?
- Vovó? Cadê a senhora?
- Oh! Minha filha. O Denis e eu começamos a consertar o carro do senhor Valmir da padaria e ate agora não conseguimos achar o problema. Vai para casa que mais tarde te encontro lá.
- Mas vovó, eu não tenho a chave e muito menos sei como chegar lá.
- A porta fica aberta e pede um mapa ai na lanchonete que o senhor Silva te arruma.
- Mas vovó e o nosso primeiro dia juntas? Lembra?
- Minha filha, me desculpe! Mas isso é uma emergência. Imagina se amanha o senhor Valmir não conseguir ir abrir a padaria para o povo da cidade. Vai ser uma tragedia.
- Foco no pão... é isso que tem a me dizer?
Ouvi um estrondo e vovó gritando – Denis meu filho, cuidado com o óleo – e em seguida se direcionando a mim.
- Depois a gente se fala Pietra, ate mais tarde.
- Mas vovó...

bip bip bip

Ela havia desligado. Quando me virei todos estavam olhando para mim. O senhor Silva se aproximou de mim, me abraçou de lado e disse:
- Fica tranquila, ela é assim mesmo. Quer ajudar a todos...
- E acaba esquecendo da neta que veio visita-la - completei
- Não é isso. Sua vó tem um bom coração e uma generosidade incrível, que pouco se encontra hoje em dia.
- Na verdade vejo isso todo dia no meu pai. Eles são iguaizinhos.
- Ele tem sorte e você também. Pietra, leve esse tempo aqui para aprender um pouco com ela. Ela te ama muito e esteve muito preocupada com você, mesmo aqui tão longe.
- Mas ela nem sabia de nada.
Ele me encarou com um olhar duvidoso.
- Entendi.
- Só peço que entenda um pouco sua vó, não é atoa que ela é amada por todos da cidade. Espero que o que veio procurar aqui, acabe encontrando. Só não apresse as coisas e viva o momento, Compreendendo o tempo.
- Entendi, obrigada.

Fiquei imaginando, que o senhor Silva tinha um bom olhar sobre as coisas. Ele daria um bom escritor. Só fiquei imaginando como eu iria embora com um mapa. Oh, céus... quem me dera um GPS naquele momento.
Quando a lanchonete fechou, fiquei do lado de fora, virando o mapa de todos os lados. Tudo que parecia era a roça que havia no local e não a estrada que minha vó disse que daria na casa dela. Foi quando Lano passou por mim.
- Porque não pega uma carona com o senhor Silva?
- Ah, não quero incomodar. Já fiquei aqui ate agora.
- Não liga pra isso, ele é gente boa...
- Eu sei, mas isso é abusar da boa vontade dele.

A caminhonete nova parou na nossa frente.
- Vem, entra ai... eu lhe dou uma carona! - disse o senhor Silva de dentro do carro.
- Eu disse – confirmou o garoto abrindo a porta do carona.
- Serio? - meus olhos brilharam.

  Seguimos em silêncio, ate paramos em frente a uma igreja. Lano agradeceu a carona, se despediu da gente e seguiu em direção a ela. Troquei de lugar e me sentei no lugar dele. Após ver que ele estava longe perguntei ao senhor Silva.
- Ele mora em uma igreja?
- Ah! não, não - disse sorrindo - os tios dele são pastores da igreja e sempre saem muito tarde, por isso sempre o deixo aqui. Ele já sabe que eles estarão fazendo alguma coisa na igreja e gosta de ajuda-los.
- Mesmo depois de um dia de serviço?
- Sim... esse garoto é um ouro.
 sorri sem graça, assentindo.
- Deve ser mesmo.

    De dentro do carro deu pra conhecer um pouco mais a cidade. Mesmo escura ela não era como anos atras, havia mudado bastante. O senhor Silva me deixou de frente para a porteira da fazenda de vovó. Agradeci e sai correndo, ao me deparar com a casa, minha infância veio a tona. Tudo estava tão igual a antigamente. Rir sozinha e segui em frente.
  A porta estava mesmo aberta. Ao entrar o cheiro dela se fazia presente na casa. Ao me sentar no sofá simples, me senti de volta em casa. Ali mesmo acabei me perdendo em lembranças antigas e acabei adormecendo. Pela primeira vez em meses, não tive pesadelos.



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