Infância
- Você não vai acreditar! – disse Mari em tom baixo.
— O que aconteceu dessa vez? —disse sem
surpresa.
Mari sempre tem uma fofoca na
segunda-feira para contar, não sei onde e como ela consegue tanta informação.
As vezes penso ser mentira, talvez por nunca conhecer pessoalmente sua familia
ou por saber que ela tem uma mente criativa o suficiente para criar uma
historia envolvendo todos a sua volta. Por isso não me admiro, ela começar uma
conversa as segunda, quase sussurrando, poucas vezes ela conseguia realmente me
surpreender.
— Pegaram Lucas e Fabi no maior amasso na
rampa – seus olhos se arregalaram.
— Como assim? — disse confusa.
Fabi é a garota mais linda da
sala, tem uma pele branca feito leite, cabelos com cachos definidos e um olho
azul que faz todas as meninas sentirem inveja.
— Não sei direito como aconteceu, mais o
caso foi parar na diretoria.
— Bom pelo menos agora sabemos que Lucas
tem bom gosto - sorri ironicamente
Vi o rosto dela se entristecer.
Talvez aquela não fosse uma boa resposta, para aquele momento. Mas o fato era,
todas as meninas da sala tem uma queda por Lucas e eu não imaginava que Fabi
também estaria na fila pelo garoto. Na maioria das vezes que as meninas se
reúnem no intervalo pra ficarem perto dele, Fabi era uma das únicas garotas que
igual a mim, prefere comer do que ouvir seus passes no futebol. Nunca
imaginaria os dois juntos. No fundo, até que essa notícia me pegou de surpresa.
- Ah! Não fica triste Mari, a gente é
muito nova pra pensar nisso – apalpei sua cabeça, enquanto ela se deita no meu
ombro.
- Pensava que o Lucas pensasse também
assim, e agora ele fica ai, aos amassos com a Fabi – resmungou.
– Foi a escolha dele Mari.
– Eu sei – ela se levanta do banco –
e a minha é não desistir dele. Se ela esta achando que vai rouba-lo de mim,
esta muito enganada. - e saiu pisando firme para dentro do prédio.
Ali sentada, vendo ela partir,
fiquei imaginado o porque garotas querem crescer tão rápido? O que há de tão
interessante em ser adulto? Eu simplesmente não entendo. Fiquei sentada ate
tocar o sinal de entrada e me dirigir a fila, que demorava uns quinze minutos
para se acertar.
Minha escola parece uma
penitenciaria. Todas as classes da escola fazem duas filas indianas, uma de
meninos, outra de meninas em ordem de tamanho. Temos que cantar o hino nacional
e depois com calma – como diz minha coordenadora – cada fila vai com supervisão
de seu professor para sala.
Nas últimas semanas o assunto ficou
sobre Lucas e Fabi, parecia que não havia mais sobre o que conversar e quando
eu me atrevia a mudar de assunto - o que era sempre - logo me ignoravam. Ou
seja fiquei sem falar por um bom tempo, pelo menos tinha e a biblioteca da
escola, ela era meu esconderijo secreto do mundo dito "normal".
Em sala era tudo como antes,
parecia ate que não havia acontecido nada entre Lucas e Fabi. As semanas se
passaram e assim que as meninas do bando perceberam que tudo tinha voltado ao
seu devido lugar, voltaram a importunar o garoto.
O bando é o grupo de garotas mais
populares da sala, não digo que elas são bonitas, mas elas são as que mais se
arrumam, e tem um fogo que nem o iceberg do Titanic é capaz de apagar.
Meus recreios continuam a ser
sozinhos, já que Mari se juntou ao bando, antes para falar mal de Fabi, agora
para saber coisas sobre o Lucas. Pra mim é algo normal, quando não estou na
biblioteca eu gosto de se sentar no patio e observar as pessoas. Ver como riem
de uma piada sem graça, como eram nervosos, quando estavam tristes. Reparar nos
modos de como usavam o uniforme escolar — A maioria das garotas das séries
avançadas, adoram dobrar o short para que ele fique ate em cima da coxa -
e de como elas demoram várias horas no banheiro e quando saem estão com o
cabelo pingando de tanta água, é algo nojento. Porém todas as expressões, toda
forma de linguagem que transmitem, para mim tudo vale.
Ao passar dos anos, percebi que era
completamente diferente das outras garotas, não entendia direito o que era, por
mais que muitas dissessem que eu era infantil, em conclusão eu era apenas,
antissocial. Não que eu não gostasse das pessoas, apenas achava complicado
demais parar para entendê-las. Principalmente mulheres, meu sexo é muito
bipolar – com o tempo vi que também tinha essas características – e difícil de
conviver.
Minha única amiga é a Mari, não sei
exatamente porque, mas o que me lembro é que tudo aconteceu no 1º ano, quando
ela sentou na minha frente e disse que seriamos amigas. Eu sei, nosso inicio de
amizade foi bem objetivo.
Assim que comecei a ler, passei a
ficar mais tempo na biblioteca e Mari me achava muito Nerd, já que ela era a
popular da sala. Era uma amizade meia estranha, todos queriam chamar a atenção
de Mari, enquanto eu era a garota que fazia a irmandade com ela. Estranho, não?
Além de Mari - não que eu possa
chamar de amigo, mas - Havia também o Ricardo. Ele era o garoto simpatia. Ele
conversava com todos da sala, ate comigo por incrível que pareça. As vezes
pensava que era por interesse, com o tempo vi que ele era apenas sociável.
Mesmo sendo idiota devido as suas brincadeiras e trotes sem graça, em seu
estado normal tínhamos uma conversa bacana. Ricardo é o melhor amigo de Lucas,
vivem sempre grudados. O que faz dele,o informante numero um do bando.
Semanas depois do ocorrido entre
Lucas e FAbi, ele deu uma ideia ao bando de enviarem cartas para Lucas.
Ele disse que em uma conversa entre os dois, Lucas sugeriu que ele gostaria de
ler o que elas pensavam a respeito dele. Achei aquilo medíocre demais. Ele
estava parecendo um popstar, recebendo cartas de fãs.
Não fiquei surpresa ao saber que
todas as meninas fizeram suas cartas de amor, inclusive Mari. Nunca vi tantos
corações em uma carta. Neste mesmo dia, fui surpreendida por ela com a seguinte
pergunta.
– Cadê sua carta?
Rir ironicamente.
– Você está falando sério? –
indaguei ainda soltando algumas risadas.
– Sim estou - ela me olhou seria.
Parei de rir, mais com um sorriso disse
– Pra que eu mandaria uma carta pro
Lucas?
– Por que você não mandaria? –
ela ainda estava seria.
Não tive como não rir.
– Porque pra mim ele não significa
nada e aliás, quem ele está achando que é pra pedir cartas?
– Ele só esta querendo saber Pietra,
não seja ignorante.
– Não estou sendo ignorante Mari,
mas o que você acha que eu poderia escrever? "Ah! Oi Lucas quer saber o
que acho de você? Um tremendo idiota..."
– Ok... eu já entendi. Mais eu
queria muito que você escrevesse, não por ele por mim. - disse com voz
tristonha.
– Mas mari, isso é estranho demais.
Se eu fosse escrever alguma coisa, escreveria pra você que é minha amiga, não
pra aquele convencido. - olhei seria pra ela.
Ela me olhou com aquela cara
de cachorrinho faminto.
– Nem vem com essa cara, não vou
mudar de opinião.
– Poxa Pi, é só pra dá mais volume.
Tive que rir.
– Dá mais volume? Minha carta
servira disso então?
– Na verdade soube que ele tem
dificuldade com leitura e se colocarmos sua carta no final, quem sabe ele nem
leia.
Ela continuou com aqueles olhos
arregalados.
Mari era uma menina muito bonita,
ela era morena e tinha o cabelo todo cacheado que quase nunca era visto, por
ela sempre o prender em uma trança embutida.
Ao juntar suas mãos em sentido de
prece, não aguentei.
– Tá bem, eu escrevo. Mais espero
que ele não leia a carta, ele não vai gostar nada do que estará escrito.
– Ah! Deixa disso Pietra, sei que
seu coração é mole, e não tem coragem de matar nem uma barata voadora.
– Ninguém tem coragem de matar uma
barata voadora, isso é obvio. E além do mais, não disse que escreveria uma
receita de envenenamento, nem um vudu da morte - bem que eu queria – mas como
sei que é muito importante isso pra você, vou pegar leve.
– obrigada! – ela me deu um
beijo na bochecha.
Pra que serve as amigas, se não pra
nos pedir coisas que odiamos fazer né?!
Deixei para última hora, para fazer
a tal carta. Enquanto todo bando, gastava o litro de perfume da mãe, como
justificativa de um toque afeminado. Rasguei uma folha do caderno e com um
pouco de cola bastão, consegui da um toque final.
Ao todo não soube o que escrever,
nunca havia escrito pra ninguém, aliás fazia menos de 3 anos que havia começado
a escrever direito – Olá! eu estava no 4° ano – não era fácil manjar das
palavras pra uma garotinha do meu porte, porém eu tinha algo a meu favor. Minha
Mente.
Eu sei que não vai parecer
surpreendente agora, mais eu tenho uma imaginação de causar inveja. Lembro que
um pouco menor, adorava assistir as novelas mexicanas na TV, adorava ficar
cantando e dançando aquelas aberturas que eu não entendia o que significava.
Ate eu ter a brilhante ideia de começar a escrevê-las na minha agenda – eu tive
e tenho várias – o meu modo de cantar.
Não vão querer saber como ficou,
mas sempre que vejo não consigo parar de rir - consegui escrever uma língua
diferente, menos o espanhol da canção original - Também tive a agenda de
contos, que foi uma ideia minha de fazer contos infantis, inventados por mim.
Eu escrevia a história e logo abaixo fazia um desenho da mesma. Era uma coisa
fofa, eu tinha uma imaginação e tanto – e vamos dizer que ainda tenho.
Mas voltando ao assunto da carta.
Como Mari havia dito, eu não sou dessas
garotas duronas – sendo esse meu maior defeito – por isso resolvi pensar
normalmente, e pensando em Mari tive a ideia de escrever uma carta de amizade
para o garoto. Não entrarei em detalhes quanto a carta, mas foi basicamente o
seguinte:
“Olá
Lucas!
Não sei muito
bem como escrever isso, mas diferente das outras cartas que você vai receber,
eu não gosto de você. Quer dizer, não que eu não goste, mas essa é uma carta de
amizade. Quero dizer que quero você como amigo, pode contar sempre comigo.
Soube que tem dificuldades com leitura e acho que nem vai ler essa carta, porém
caso leia, sabe que tem aqui uma amiga que pode contar sempre.” – Pietra
Devalle
As meninas marcaram de entregar a
carta a prima da Thalia, ela era do 6° ano e tinha “coragem” de fazer o serviço
na hora da saída. Não vi nem perguntei como foi a entrega, mas pelos os
sussurros da sala, tudo havia saído como planejado..
A semana passou com todas querendo
saber o que ele achou das cartas. Era uma coisa medíocre. Eu já haveria ate esquecido
do assunto se não fosse Mari todo dia me lembrando. E como ele não havia
pronunciado nada, o clima voltou ao seu estado normal de bajulação.
Algumas semanas depois, logo após
uma aula exausta de educação física, estava subindo a escadaria da escola,
sinto um puxão em meu braço, assim que olho para trás assustada, vejo Ricardo
sorridente me dizendo que quer conversar comigo. Esperei a turma subir e
bastante curiosa perguntei:
– O que foi?
– Lucas está querendo saber, se você
não quer ficar com ele na rampa?
– Lucas está querendo o que? –
dei um grito pasmada.
Ele colocou a mão na minha boca. E logo
tirei suspirando.
– Tira essa mão suada de mim.
Ele riu.
– E então, o que eu falo pra ele? -
disse empolgado.
– Não. - disse seca, e voltei a subir
os degraus. Quem aquele idiota pensa que eu era pra me pedir algo desse tipo.
Ele segurou minha blusa e eu parei. Ainda
seria, e me virei para ele.
– Como assim? - falou surpreso.
– Não.
– Você não gosta dele?
– Não. - tentei mostrar pelo meu tom
de voz, que ele era o único que não sabia disso.
– Não entendi. - me olhou incrédulo.
– De onde o Lucas tirou essa ideia
de que eu gosto dele? - não estava acreditando naquilo.
Ele deu de ombros.
– Pergunte a ele.
Ele apontou para o andar de baixo e lá
estava o garoto sentando. Provavelmente ouvindo tudo.
Desci rapidamente ate ele. Ele
estava me esperando com os braços cruzados.
E fui direta ao assunto – odeio
enrolação.
– Por que você acha que eu ficaria
com você?
– Pela sua carta. - Disse com um
sorriso no canto da boca.
– O que tinha demais nela, pra você
achar que eu ficaria com você? – indaguei.
– O que você disse nela Pietra –
seus olhos brilhavam – você foi única, não foi como as outras garotas, dizendo
que eu jogava bem e que me achavam lindo.
Suguei o ar e soltei o ar, leve o
bastante, pra ele conseguir vir minha raiva estampada no rosto.
– Se viu que minha carta foi
diferente, ou melhor se você leu realmente minha carta, viu que minha intenção
era mostra uma mão A-MI-GA!
– Por isso pedi pra ficar com você –
disse pensativo – reparei em você nessas últimas semanas e vi como era
diferente e achei isso legal. Você tem uma beleza diferente. Tem opinião
própria, diferente das outras garotas da sua idade. Eu quero muito ficar com
você Pietra.
Fiquei parada, meia pasma e com cara
de “o que esse garoto esta dizendo?”
Lembrei que algumas vezes na hora do
recreio, o pegava olhando pra mim, mas não achei que fosse como esse
pensamento, me analisando. Fiquei pensando na Mari, na Fabi e em todas as
garotas que gostavam dele.
– Existem várias garotas da nossa
sala que dariam tudo pra ficar com você. E você me escolhe? – disse
pensativa, de cabeça baixa.
– E o que há de errado nisso?
– Existem várias garotas na nossa
sala que fazem de tudo pra chamar sua atenção e você me repara?
Eu o encaro e ele tira o sorriso do rosto.
– Sim, e não me importa se elas
gostam de mim. Eu quero ficar com você.
– Isso é um pensamento muito... -
andei confusa de um lado ao outro. Parei o encarando novamente – egoísta!
– Eu não sou egoísta se demonstro
gostar de alguém – Ele me encarou sério.
Nossos olhares se cruzaram. Fiquei sem
graça e parei de olhar pra ele e comecei a observa o chão.
– Você não gosta de mim Lucas, você
quer ficar comigo e não é assim que uma pessoa demonstra gosta da outra.
– Se você está falando isso pelo
caso da Fabi., eu …
Não deixei que terminasse o que iria
falar.
– Você não entende não é pelo caso
da Fabi, é por tudo – respirei – É pelas meninas, é por mim, por estar na
escola, por ser criança - minha voz foi acelerando - por nunca ter beijado
alguém e principalmente por não gostar de você.
Olhei para ele e vi que estava
parado tipo uma estátua na minha frente, e branco como se tivesse visto um fantasma.
Sem emitir qualquer palavra como resposta acabei quebrando o silêncio.
– Não que eu não goste de você, como
disse na carta, eu quero ser sua amiga Lucas e só. - olhei para baixo – Eu
quero que meu primeiro beijo seja especial, com alguém que eu goste - olhei
para ele e desviei o olhar novamente - e no momento esse alguém não é você.
Ficamos ali por alguns minutos, sem
dizer nenhuma palavra.
– Você é mesmo uma garota diferente.
Levantei a cabeça e ele estava com
um sorriso no rosto. Eu também sorri.
– Posso contar com você pra ser
minha amiga então? – ele estendeu a mão.
– Se prometer não dá em cima de mim,
eu aceito.
– Pra mim tudo bem.
Dei a mão a ele em sinal de acordo.
***
Depois disso nada mudou. Voltamos
para a sala, e todos nos olharam com cara de que houvesse acontecido alguma
coisa. Mari veio logo falar comigo e pra não render o assunto respondi
friamente um “não aconteceu nada”. Por me conhecer, ela não insistiu, sabia que
não tinha acontecido, porém ainda ficou com o pé atrás comigo durante o dia.
O recreio foi normal, as meninas
continuaram em cima de Lucas e eu no meu canto sozinha observando o patio como
sempre. A única coisa que mudou foi que agora percebia que Lucas me observava
do meio do povo e querendo ou não, aquilo me fazia sentir bem.
***
Passaram se dias, semanas e meses.
Chegou o fim do ano letivo. Eu havia passado do 4° para a 5° ano e estava com
12 anos, ou seja uma pré adolescente com toda determinação do mundo para chegar
ate o 6° ano. Isso para as crianças de hoje, significava que crescemos o
suficiente e podemos encher o saco dos menores, e nos acharmos meio
"adultos", para mim, não vejo diferença nenhuma.
Neste mesmo ano inovei ainda mais
minha paixão pela leitura, comecei a ler revistas, quadrinhos, jornais e alguns
livros que pegava com uma amiga de minha irmã. Era fascinante exercitar minha
imaginação, e poder após isso tentar escrever meus próprios contos, o que no
final nunca conseguia acabar.
Minha forma de falar, pensar, agir e
escrever era diferente das crianças da minha idade, contudo fiz uma prova e fui
aprovada a fazer a série seguinte, pois estava mais adiantada do que as
crianças da minha turma. Consegui enfim chegar ao 6º ano. Como estudava pelo
turno do matutino, minhas notas na matéria de português me levou a ser uma
ajudante no reforço para os alunos da série anterior que era dado a tarde.
Meu contato com a Mari se
tornou distante, conheci novas pessoas, novas histórias. Apaixonei, chorei,
sofri e aprendi.
***
Já se passou dois anos, desde a
última vez que vi Mari, estou tão envolvida com os estudos, as novas matérias
que são mais puxadas, e as aulas no reforço tomam minha tarde, eu já não tenho
vida social - como se eu tivesse antes. Nas raras vezes que ela me liga,
ficamos horas conversando no telefone, ela sempre tem uma fofoca nova pra
contar, porém sempre que marcamos de ir ao cinema ou comer alguma coisa, sempre
aparece um imprevisto de ambas as partes e acabava não rolando nada.
Naquela manhã de segunda-feira,
parecia tudo normal. Tirando o fato que eu estava superatrasada, e sentia que
havia esquecido alguma coisa.
O sr Moacir, vigilante da escola
logo sorriu ao me vê, toda encharcada de água.
– Esqueceu o guarda-chuva, mocinha?
– É, sr Moacir – disse seria – logo hoje.
– A mocinha não viu ontem no noticiário,
que o tempo fecharia?
– Pior que vi – disse tirando a água do
cabelo – porém hoje de manhã o céu estava claro, nem passou pela minha cabeça
que a tarde choveria.
Ele assentiu com a cabeça.
– O ruim é você com essa roupa molhada –
disse em tom preocupado – você pode pegar um resfriado.
– Ruim mesmo sr Moacir, é que estou
superatrasada.
Estendi meu cabelo e saí rapidamente em
direção a sala de reforço.
– Ate logo sr Moacir - gritei.
– Ate logo menina e se cuida.
– Tá bem - acenei.
Ao entrar na sala, a
professora Ângela me aguardava, com o rosto preocupado.
– Onde você estava? Estava
preocupada, você não é de se atrasar.
– Desculpe, eu não irei me atrasar
novamente.
– Aconteceu alguma coisa? –
indagou.
– Não! Não aconteceu nada. Obrigada
por se preocupar.
Ela me analisou, tentando achar
algo na minha expressão. Ela não acredita que eu não tenho namorado. todas na
minha idade tem namorado. E nestes dois anos que nos conhecemos, ela sempre
fica pasma quando digo que nunca beijei ninguém. Ela diz que sou unica, e por isso
tem a responsabilidade de cuidar de mim, como uma segunda mãe.
– Então tá! Qualquer coisa, pode
falar comigo você sabe né?
– Sei sim – sorri.
Sua feição de preocupação sumiu e em
instantes, logo se formou no lugar, um imenso sorriso.
– Você não vai acreditar no tanto de
alunos que se cadastraram para o reforço - disse com entusiasmo
– Tem bastante gente lá dentro?
– O bastante para conseguirmos fazer
um trabalho individual de ate 3 alunos por educando.
Olhei pasma para ela. Fazia tempo que
Ângela queria um grupo maior de alunos. Tanto para incentivar a leitura e o
questionamento que muitas vezes não passavam da sala de aula, como também para
que alunos, assim como eu, tivesse uma aprendizagem mais aprofundada não apenas
ensinando, mas também aprendendo, e assim, aderindo mais ajudantes para o
reforço, já que eu era a única auxiliar e já estava prestes a me forma no
fundamental.
– Serio que vou conseguir auxiliar 3
alunos?
Ela fechou a cara.
– Bom não exatamente, alunos como
está pensando.
– Como assim? – indaguei.
– Pietra, eu sei que você se forma
este ano e não quero prender você mais aqui.
– Ah! Já discutimos isso Ângela -
suspirei – já disse que vou continuar com o reforço mesmo no ensino médio.
– Pietra, eu sou educadora e sei melhor
do que ninguém que para uma garota como você, com tanto potencial, deve nestes
três anos se dedicar ainda mais nos seus estudos. Ensino médio não é como isso
aqui e você sabe.
Assenti com a cabeça.
Não estava acreditando que Ângela
iria me dispensar.
– Mas então – disse – já que não vou
auxiliar alunos com dificuldades. Quem vou auxiliar?
– Os novos auxiliares que estão na sala 2
te aguardando.
Foi meio difícil aceitar o que
estava acontecendo, mas eu deveria me sentir feliz, né? Eu tinha dado o primeiro
passo a uma ação que eu amava e agora passaria pra frente.
Ângela me deu o nome dos alunos que
eu auxiliaria e o horário de atendimento de cada um.
Ao entrar na sala de leitura,
reparei no garoto de cabelo preto, liso e caído sobre a testa. Usava óculos e
estava concentrado lendo um livro.
– O guardião? – perguntei.
– Por incrível que pareça sim – respondeu
sem me encarar.
– É difícil achar um garoto lendo um
romance – sorri.
– Este livro não é apenas um romance – ele
fechou o livro e girou a cadeira e me encarou – também tem um suspense
envolvido, mas como você conhece deve saber.
Ao olhar para ele. Fiquei branca, azul,
bege e ate lilás.
– Ricardo? – falei tão alto que acho
que toda escola escutou.
– Sim, e você deve ser minha instrutora eu
penso - disse – quero que saiba que não sou surdo.
– Você não se lembra de mim? –
sorrir – Caraca devo estar um horror mesmo. E olha que nem mudei muito.
– Desculpe... - disse sem entender
nada.
– Pietra, lembra? – fiz um “thanrán”
com as mãos – estudei com você no 4° ano. Não se lembra?
Ele fez uma cara de “Ah! Lembrei”
– Pietra Devalle? – disse.
– Isso – sorri – caraca quanto tempo né.
– Bastante! Como você está mudada. -
sorriu.
Seu sorriso era encantador. Ele
estava diferente daquela época. Ele havia crescido e não parecia mais aquele
babaca, com brincadeiras toscas.
– Você também está mudado – sorri
ironicamente – está com cara de inteligente.
Ele riu.
– Isso é bom? – perguntou.
– Acho que é – ajeitei o cabelo
atrás da orelha - mas então, não sabia que curtia o tio Nick. Não lembro
de você lendo na sala de aula.
– Como você disse passou muito tempo
né?
Rir sem graça.
- Também não sabia que dava aula de
reforço – sorriu desviando o olhar – as coisas mudam né.
– E como – me sentei ao seu lado na
mesa – mas então, desde quando começou a ler romances?
– Como já disse não é um romance – ele
pegou o livro – tem suspense, algo que gosto bastante e quando meu amigo me
disse isso, não hesitei em pegar emprestado com ele.
– Outro garoto que gosta dos livros do
nick? – me surpreendi.
– Ah! Sim. E acho que você se lembra dele
– ele sorriu – você deu maior fora nele quando estudávamos. O Lucas.
Perai! O Lucas gosta de
romance? O tempo havia passado mesmo. Não que eu o conhecesse, mas durante o
tempo que estudávamos, ele tinha ate problema com leitura e não parecia gostar
de lê.
– É claro que lembro – disse sem muita
animação – e como ele está?
– Ah! Ele está bem. Se mudou para o interior
vai fazer um ano.
– Serio? Ele cansou da cidade? – rir
sem graça.
Ele olhou para mim sério.
– Não! Lembra daquele acidente na
rodovia, que teve a explosão do caminhão de gasolina?
– Lembro – disse meio que já
entendendo o que viria a seguir.
– Então os avós dele e ele estavam em um
dos carros que se envolveu no acidente. Os Sr e a Sra Tavares acabaram não
resistindo.
Meus olhos arregalaram.
E quando conseguir pronunciar alguma
palavra o que saiu foi.
– E ele?
– Ele acabou se ferindo, mais depois de
uns meses hospitalizado acabou levando alta, porém como ele não tinha mais
parentes aqui, teve que se mudar para o interior para a casa de seus tios.
– Que fato horrível, Ricardo. - disse
ainda pasma.
– Foi mesmo – disse tristonho – mas
agora ele está bem. Conseguiu se recuperar bem.
– Que bom. - sorri sem sal.
Toc. Toc. Toc.
Levei um susto quando Ângela bateu
na porta. Ao atendê-la, ela me apresentava aos dois outros novos instrutores.
Uma garota com nome de Clara e outra com o nome de Isabela. O assunto com
Ricardo havia se encerrado ali. Fiz as apresentações e dei o primeiro passo do
cronograma que Ângela havia me instruído a passar. Não vi a tarde passar
naquele dia, pois toda vez que olhava para o rosto de Ricardo a lembrança de
Lucas vinha na minha mente.
Naquele dia percebi o quanto minha
vida estava vazia. O tempo passou tão rápido e eu estava focada apenas em
livros e mais livros. Lendo infinitas historias e esquecendo de escrever a
minha. Estava ajudando as pessoas a se recuperar, porém quem precisa de ajuda
era eu. A bastante tempo meus pais me diziam, que eu estava ausente. Nunca me
viam em casa ou quando me viam eu estava trancada no quarto lendo um livro.
Meus poucos amigos eu não via fazia tempo.
A cada momento que lembrava do que
aconteceu com Lucas e a perda de seus avós me sentia pior. Não que a morte fosse
algo novo pra mim, mas pelo que me lembro eles eram sua única família desde que
seus pais morreram. Eu tinha na lembrança a Sra Tavares, sempre que ia na
escola levá-lo, ao ver as outras crianças sempre oferecia um pacotinho de bala.
Ela dizia “é para adoçar a vida”.
Agora entendo o porquê. Na vida
quando crescemos e começamos a ter responsabilidades, ela começa a se tornar
amarga. Temos que ter cautela para que nossa vida adulta não se torne azeda.
Pois é o que basicamente acontece, ela vira uma rotina chata e cheia de
mesmice. Não damos valores aos detalhes, aos momentos. Baseando tudo em
ansiedade, correria e dinheiro.
Eu não queria aquilo pra mim,
Ângela tinha razão. Eu precisava de tempo, tempo pra mim e para dividir com as
pessoas que eu amava. Só precisava acabar o ano e eu sabia bem onde eu passaria
o fim, ou melhor, o inicio dele.
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