Cap. 15

Lucas

 Quando percebi já havia feito. Ele fez um careta quando seu rosto virou junto com minha mão em um estalar da palma em sua bochecha.
-Ai – gritou – Porque me bateu?
- Seu idiota, egocêntrico, como você pode? - eu pirei, não sabia o que fazer ou o que estava fazendo. Eu bati em um cego!
- Pode o que, menina?
- Eu... Eu... - gaguejei – Ai meu Deus, você é cego.
- É o que parece , não é mesmo? - disse alisando o local onde eu havia batido.
Coloquei a mão na boca, confusa. Eu não sabia o que fazer, ele... mas ele.
- Você esta bem? Esta falando coisa por coisa. - perguntou.
Continuei em silêncio não conseguia falar mais nada.
- Pietra? - disse em tom preocupado.
- O que aconteceu com você? - disse atônita.
- Eu sofri um acidente anos atras e...
- Isso eu sei, mas... porque Ricardo nunca disse isso pra mim. Quando ele vinha te visitar, ele... ele... - lagrimas começaram a escorrer de meus olhos.
- Eu que pedi isso a ele.
- O que? Porque? - disse sem entender.
Ele ficou calado e vi que era um incomodo falar sobre aquilo.
- Se quiser não precisa...
- Não esta tudo bem – disse me interrompendo.

Ele se ajeitou na cadeira.
- Quando meus avós morreram no acidente, Ricardo foi o que mais me ajudou. Ele esteve presente como um irmão que eu nunca tive. E quando as pessoas souberam, elas falavam comigo com aquele tom de pena, dizendo coisas como “Mais ele não tem mais ninguém”, “Ele era tão ativo, jogava futebol e tudo mais, e agora? Cego e sem família” ou “O que vai ser desse garoto?” - ele colocou novamente o óculos e se virou para frente da TV, que continuava ligada - Ele foi o único que não me tratou diferente. Mesmo sabendo das minha deficiência, prometeu me ajudar a me adaptar a isso. Foi um momento muito difícil para mim. O enterro dos meus avós e eu não poder estar presente. Eu me sentia culpado e Ricardo estava ali, me dizendo que isso era coisa da minha cabeça. Quando me mudei, ele prometeu estar comigo todos os fins de ano, porém eu pensei que seria apenas uma forma de falar na hora de se despedir, mas ele levou isso a serio e todo ano ele vinha. Quando ele começou a namorar eu tentei o máximo fazer com que ele deixasse essa ideia. Eu já estava bem, já havia me adaptado a tudo isso, porém ele ainda assim continuou e quando eu soube que era você... Eu pedi para ele não falar nada de mim. Não queria que mais uma ficasse com pena ou com dó.
- Eu não ficaria com pena ou dó de você – disse ainda pasma com a situação.
- Agora deu para perceber, sabia que agredir um deficiente não é algo muito legal? - sorriu.
- Eu... Eu... - gaguejei ate me lembrar do porque que eu o bati – Eu não... Você!
- O que? Eu o que? -
- Você era amigo dele... Ele amava você... confiava em você mais do que tudo.
Ele não falou nada e ficou aguardando resposta.
- Eu tentei, mas não consegui falar com você.. você era o melhor amigo dele e não estava lá.
- Eu já te contei meus motivos...
- Porque as pessoas iriam te ver assim? Que se dane as pessoas, ele era seu amigo. - o confrontei.
- Mas é complicado...
-Não é nada complicado, você traiu a confiança dele - Eu estava com raiva e já estava falando alto - Ele se deslocava para cá sempre e quase terminou comigo por sua causa e você não fez nem questão de estar no enterro dele...
- EU SEI! - gritou me interrompendo – Eu sei, eu sei, eu sei e sinto muito.Eu sei que fui um babaca egoísta por não estar lá. A mãe dele me ligou e conversei com ela no dia do velório, mas não dava.
- Porque não dava? - disse tremula e com olhos lacrimejando, ainda falava alto com ele.
- Por que já não bastava não ter visto meus avós, eu não queria estar no enterro do meu melhor amigo e não conseguir ver ele pela ultima vez. Não me acuse por ser covarde, você não tem ideia do que eu passei.

Encostei a cabeça sobre meu joelhos e comecei a chorar.   

   Ficamos algum tempo em silêncio e eu não conseguia olhar para ele. Talvez ele tivesse sorte, eu queria não poder enxergar naquele momento. De repente ele põe a mão sobre minhas costas e acaricia. Levantei meu rosto devagar para enfim encara-lo.

- Me desculpe – disse com uma expressão triste – Eu entendo o que esta passando. É difícil e você não faz ideia do quanto eu queria que isso não fosse verdade. De que ele não tivesse ido, e que fosse apenas mais uma brincadeira dele, e que no fim ele me ligaria rindo e me zoando. Mas tenho que entender que a vontade de Deus é boa, perfeita e agradável ate mesmo nos momentos mais difíceis.
- Como você pode dizer que isso foi é a vontade de Deus? Ele morreu, sabe? Ele estava bêbado...
- Então você acha que a culpa é dele?
- Claro que não, a culpa foi de quem o deixou naquele estado!
- Então você acha que a culpa é de Gustavo?
- Não, a culpa é minha!
- Como pode ser sua a culpa?
- Ele descobriu que Gustavo me beijou e ficou com raiva, então eles saíram para beber e tudo porque EU não contei para ele.
- Então por isso você acha que é sua a culpa?
- Claro! eu sou culpada pela morte dele, um inocente que confiava em mim. Assim como ele confiava em você.
- E por ele confiar em mim, te digo que a culpa não é sua.
- Como você pode afirmar isso? Você não sabe do que aconteceu. - Parei pra pensar um pouco – aliás.. como você conhece Gustavo? E porque achou que a culpa era dele?
- Porque quando falo que Ricardo era como um irmão pra mim, eu estou dizendo a verdade.
- Ele te contou alguma coisa?
- Sabe Pietra, Ricardo também não se abriu totalmente com você.
- Como assim? - não estava entendendo mais nada.
- Ricardo era um bom garoto, tinha sonhos, planos e uma vida incrível pela frente. O meu acidente não apenas me fez enxergar o mundo de outra forma, mas também abriu os olhos de Ricardo...
- Aonde você quer chegar com isso?
- Em uma palavra chamada PENIEL!
- O que significa Peniel?
- Na bíblia relata que quando Jacó foi tocado pelo anjo em sua coxa, ele chamou aquele local de Peniel por ter visto realmente a face de Deus e ali ter sido confrontado. Nunca se perguntou o que Ricardo fazia quando vinha para cá?
- Te ver possivelmente..
- Não apenas isso, quando fui contagiado por este confronto acabei entendendo que aquilo não bastava, que eu deveria passar aquilo que eu sentia para as outras pessoas e como Ricardo era a pessoa que eu via que tinha um coração aberto, resolvi investir nele – sorriu.
- Ainda não estou entendo aonde quer chegar...
- Ricardo estava em tempo de confronto Pietra, ele estava sendo tratado espiritualmente. Consigo compreender porque não viu, mas não deixe se culpar por algo que não foi sua culpa. Existe tempo para tudo nessa vida e o tempo do Ricardo foi aquele. Nos temos o livre arbítrio para escolher o que fazer, qual decisão tomar...
- Ata! Então você esta querendo me dizer que Ricardo escolheu morrer?
- Não... Ricardo escolheu te perdoar, por mais que isso fosse difícil para ele.
Olhei em choque para ele.
- Você esta dizendo que Ricardo me perdoou?
- Sim, Claro que sim.
- Como você sabe disso? Você não estava lá...
- Ricardo antes de ir conversar com você ele me ligou e pediu orientação do que fazer. Vi que ele estava alterado devido a bebida, mas conversei com ele de forma habitual e o orientei por telefone. De qualquer forma ele queria falar com você, e por fim o instruir a ver seu lado e sua explicação para o caso. Por mais que ele tenha feito algo errado se alterando em sua presença, ele aceitou te perdoar Pietra, ele disse isso para mim.

  Fiquei sem palavras. Tentei imaginar Ricardo servindo a uma entidade religiosa, mas isso era muito pra mim. Ele nunca se dirigiu a este assunto comigo, era como se tudo aquilo fosse mero acaso. Mas caso aquilo fosse verdade, porque ele não me contaria?
- Porque ele queria lhe fazer uma surpresa, queria que você percebesse essa mudança nele, sem ele precisar falar.
Olhei para ele espantada.
- Pensei em voz alta né?
Ele assentiu.
- Me desculpe Lucas, mas acho difícil acreditar que Ricardo possa ter me perdoado. Você não estava lá e nada que você falou condiz com o que realmente aconteceu.
- Eu entendo Pietra, mas algo me diz que você vai acreditar...
- Duvido muito.
- Existe tempo para tudo e pra tudo tem seu tempo debaixo do céu.

   O silencio nos predominou novamente, mas minha mente, não parava de fazer questionamentos. Sentia-me mal por ter batido na cara dele e ao mesmo tempo confusa, pelo o que havia me dito. Não era possível, Ricardo ter me perdoado, e se caso tivesse feito, por que não o fez? Aonde quer que ele esteja, ele sabe o quanto estou sofrendo, e como é grande o remorso que estou sentindo devido a sua morte.

- Vocês falam muito de tempo, neste lugar não é mesmo? Minha vó que te ensinou isso, também? - disse enfim.
- Na verdade foi meu tio, que nos ensinou. Tudo esta na bíblia!
- Ah! Claro, a bíblia! – disse nada surpresa – um livro escrito por homens comuns, ha milhares de anos atrás e que vem sido modificada ao longo dos tempos. Sei!
- Homens inspirados pelo Espirito Santo de Deus.
- Não deixa de ter sido homens, que alias fazem de meras palavras que dizem ser “divinas”, algo que a própria sociedade já entendia como ética.
- Há mais de 3 mil anos atrás?
- Sim é claro! E esta mais do que claro que o inevitável te atingiu, e vem tentar me aliviar com este papo medíocre de confronto? É mesmo? Se você caiu, assim como minha vó nessa conversa fiada de "Todo Poderoso" tudo bem. O garoto cego que perdeu os pais e a velhinha viúva que vive sozinha, mas saiba que Ricardo não tinha por que acreditar nesta baboseira. E no fim, não acreditou.  Não venha querer aliviar meu sofrimento, com seus textinhos do bem,  porque não sou pobre e necessitada o suficiente para seu Deus me ajudar, alias Ele não foi capaz de salvar nem aquele que precisava.

  Ele ficou serio e não disse nada.
 Pensei que fui dura demais com ele, mas fazer o que? Odeio essa alienação que a igreja tem pelos mais humildes, ele precisava de um choque de realidade. 
  Me levantei para ir ate a cozinha, aquela conversa havia me deixado com sede e ainda mais mal.
- E se a morte dele foi permissão de Deus?
Rir sarcasticamente.
- Então quer dizer que o Deus que você diz que confrontou Ricardo, fazendo com que me “perdoasse”, foi cruel o suficiente para permitir que ele morresse?
- Deus escreve o roteiro, mas somos nós que decidimos segui-lo ou não.
- Quer dizer que por não seguir o roteiro de Deus, Ricardo foi morto? – disse confusa – Acho que esta entrando em contradição meu caro, pois se não me engano, você me disse agora pouco que ele estava em confronto com Deus. Como pode Deus ter matado algo que Ele estava tratando?
- E quem pode dizer que ele já não estava tratado? 

Olhou na minha direção e se ele não fosse cego, diria que estava olhando no fundo dos meus olhos.
- E que aonde ele queria chegar, era na verdade em você? - disse parado com o rosto na minha direção.
- Em mim? mas porque em mim? Eu não acredito em nada disso. 
- Talvez seja essa a razão!

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